Ao tratar da vedação ao regime do Lucro Presumido para as pessoas jurídicas que tiverem receita bruta superior a R$ 78 milhões no ano-calendário anterior, o artigo 13, §2º, da Lei n. 9.718/981 determina que tal limite será considerado segundo o regime de competência ou de caixa 2, observado o critério adotado pela pessoa jurídica.
Como consequência de tal previsão, nota-se que na sistemática de apuração do IRPJ pelo Lucro Presumido, a pessoa jurídica pode optar por apurá-lo pelo regime de competência ou pelo regime de caixa.
Nesse sentido, os artigos 215, §9º, e 223 da Instrução Normativa RFB n. 1.700/17 3 estabelecem que o lucro presumido será determinado pelo regime de competência ou de caixa, sendo que a pessoa jurídica que adotar o critério de reconhecimento de suas receitas na medida do recebimento e mantiver a escrituração do livro Caixa deverá indicar, nesse livro, em registro individual, a nota fiscal a que corresponder cada recebimento.
Com relação aos documentos que deverão ser mantidos pela empresa optante pelo Lucro Presumido, o parágrafo único do artigo 45 da Lei n. 8.981/95 4 prevê que a manutenção da escrituração contábil não se aplica à pessoa jurídica que, no decorrer do ano-calendário, mantiver livro Caixa, no qual deverá estar escriturado toda a movimentação financeira, inclusive bancária.
Embora a legislação tributária não preveja obrigatoriedade de escrituração contábil para as pessoas jurídicas tributadas na sistemática do Lucro Presumido segundo o regime de caixa, vale destacar que o artigo 1179 do Código Civil5 estabeleceu tal obrigatoriedade ao empresário e às sociedades empresárias.
Ainda que não houvesse uma norma expressa antes do Código Civil instituindo tal obrigatoriedade, o artigo 10 da Lei n. 9.249/956 já induzia a necessidade de escrituração contábil para que os lucros ou dividendos pudessem ser distribuídos com isenção de IRRF e fossem considerados como não tributáveis pelos seus beneficiários, uma vez que o referido dispositivo legal se referia aos “lucros ou dividendos calculados com base nos resultados apurados”, sendo que a apuração de resultados advém da escrituração contábil, que é feita de acordo com o regime de competência, nos termos do art. 177 da Lei das Sociedades por Ações.7
O cerne da discussão deste artigo decorre exatamente da assimetria entre o resultado contábil que serviu de base para apuração dos lucros pelo regime de competência e a base de cálculo do Lucro Presumido no regime de caixa, que foi utilizada para a tributação do IRPJ.
Como consequência, há autuações das autoridades fiscais em casos em que o montante distribuído a título de lucros apurados contabilmente foi superior à base de cálculo do IRPJ na sistemática do Lucro Presumido pelo regime de caixa.
No âmbito do Carf, é possível identificar acórdãos com entendimentos distintos. No acórdão 2202-003.018 (10/03/2015), entendeu-se, por voto de qualidade, que não seria possível a fruição da isenção sobre os lucros distribuídos diante da incongruência entre a tributação pelo Lucro Presumido pelo regime de caixa e o uso da contabilidade pelo regime de competência para distribuição de lucros. No caso em análise, o relator 8 menciona que a empresa não mantinha contas específicas em sua contabilidade para controlar os valores efetivamente recebidos, o que poderia revelar um descumprimento das obrigações contábeis 9.
Houve declaração de voto 10, na qual restou claro que não há vedação legal a tal tratamento tributário assimétrico, bem como no referido caso a contabilidade estava regular, de modo que o lucro foi apurado corretamente.
No acórdão 2201-003.677 (07/06/2017), decidiu-se, por maioria de votos, que não há incidência do IRPF sobre os valores distribuídos aos sócios, excedentes ao lucro presumido da pessoa jurídica, quando a fonte pagadora é tributada pelo lucro presumido segundo a sistemática do regime de caixa, desde que a escrituração contábil da empresa aponte a existência de lucro superior ao presumido.
No voto vencido 11, o relator destaca o seu entendimento de incompatibilidade entre a tributação pelo regime de caixa e a distribuição de resultados contábeis de acordo com o regime de competência. Por outro lado, no voto vencedor 12, o redator designado assinala que tal incongruência é garantida em lei 13, sendo que o critério para distribuição do lucro é a existência do próprio lucro contábil.
Por sua vez, no acórdão 2301-005.492 (07/08/2018), decidiu-se, por voto de qualidade, que a isenção dos lucros distribuídos não se aplica quando a tributação pelo lucro presumido ocorre com base no regime de caixa e o lucro contábil tenha sido apurado sob o regime de competência.
No voto vencedor 14, o redator designado assevera que a isenção do artigo 10 da Lei n. 9.249/95 somente se aplica quando o lucro presumido seja apurado sob o mesmo fundamento do lucro contábil, isto é, pela aplicação do princípio da competência, pois essa era a única possibilidade de apuração no lucro presumido quando do advento da norma legal. Ademais, manifestou o entendimento de que o reconhecimento contábil de receitas de empresas imobiliárias deveria ser necessariamente pelo regime de caixa por conta do artigo 30 da Lei n. 8.981/95.
Por sua vez, no voto vencido 15 e em declaração de voto 16, foi ressaltado que o artigo 30 da Lei n. 8.981/95 é norma tributária, não devendo ser utilizada para fins de escrituração contábil. Ademais, destacou-se que houve uma opção do legislador por permitir a distribuição com isenção dos resultados apurados, independentemente de eles terem sido totalmente ofertados à tributação 17. Caso contrário, se somente fosse permitida a distribuição com isenção dos resultados integralmente tributados, acabariam os incentivos à tributação pelos regimes do Lucro Presumido e Simples Nacional.
Nessa linha, o entendimento manifestado no voto vencido e na declaração de voto é no sentido de que somente poderia haver tributação pelo IRPF dos lucros distribuídos, na hipótese em que a fiscalização conseguisse comprovar que os resultados apurados foram fraudulentos ou irreais, o que não aconteceu no caso analisado.
Mais recentemente, a Câmara Superior (acórdão 9202-007.835) deu provimento ao recurso especial do procurador para reformar o já mencionado acórdão 2201-003.677 (07/06/2017), decidindo, por maioria de votos, que a apuração do lucro presumido, tributado pela pessoa jurídica, e o lucro excedente ao presumido, apurado com base na escrituração, devem observar o mesmo critério de reconhecimento de receitas.
O voto vencido 18 do acórdão 9202-007.835 acolheu as mesmas razões de decidir do voto vencedor do acórdão 2201-003.677 19, enquanto o voto vencedor do acórdão da Câmara Superior 20 adotou os mesmos fundamentos do voto vencido do acórdão reformado 21.
Diante do exposto, nota-se que há decisões em sentidos diferentes. Embora não exista previsão legal de que haverá isenção de IRPF sobre apenas os lucros distribuídos efetivamente tributados, é possível verificar que tal assimetria incomodou parte dos conselheiros, na medida em que, nos precedentes analisados, há sempre votos vencedores e vencidos, além de declarações de voto.
